Fui
surpreendida esta semana com o seguinte parágrafo, o final de um texto, que
informava que muitos deputados presentes no processo de impedimento da
Presidenta Dilma votaram também a favor do processo de Fernando Collor, e que
muitos deles foram acusados e afastados por corrupção:
“Agora,
você pode continuar usando esse argumento em 2016, negando defender o
impedimento de Dilma porque ele é arquitetado por políticos corruptos – e
ignorando o cenário vivido em 1992. Mas a verdade é que só estará deixando
explícito aquilo que todo mundo já sabe: você não leu as páginas dos livros de
história que você jura ter monopolizado a leitura”.
O
texto é de um tal de Rodrigo da Silva, provavelmente um pseudônimo, editor do
Spotniks. Um site de “notícias” [?] explicitamente anti-PT.
Pois
bem, e daí que o cenário é semelhante – não igual – ao de 1992? Na verdade, há
uma grande diferença entre os dois contextos. Os crimes do Presidente Collor
foram gravíssimos; foram crimes mesmo; e não essa questão de pedaladas fiscais
que presidentes anteriores e governadores atuais também lançaram mão. Outra coisa,
a indignação foi geral; a decisão foi praticamente unânime não só no Congresso,
mas entre a população brasileira; e o PT não subiu ao Planalto para governar,
ou para se beneficiar de imediato, como está acontecendo hoje com os conchavos
que PMDB, PSDB, DEM e Cia Ltda estão empreendendo. O PT, o Lula, esperou o
Itamar passar, o Fernando Henrique passar, para, enfim, ocupar PELO VOTO o
executivo.
Lembro,
que na época do impeachment do Collor eu pouco me envolvi diretamente; além de
não ter computador, não havia essa facilidade virtual de redes sociais. Eu dava
uma de Mário Sette, que enquanto a Revolução de Trinta rolava nas ruas, ele se
recolhia, nos intervalos de seu expediente nos Correios, ao Gabinete Português
de Leitura para pesquisar e escrever sobre o Século XIX no Recife. No meu caso,
eu me refugiava no Arquivo Público para pesquisar sobre os anos 30 e 40, sobre
a Liga Social Contra o Mocambo, a fim de escrever minha monografia. Aproveitava
a saída mais cedo do trabalho, e que não haveria aula na faculdade, porque
muitos estariam de preto e de cara pintada mostrando sua indignação contra o
“caçador de marajás”, para aproveitar o tempo e encaminhar o que mais tarde
além de monografia, se desdobraria numa dissertação de mestrado e numa tese de
doutorado. Mas, mesmo assim, eu, apesar de não gostar de roupa preta, colocava
uma camiseta básica para colaborar com o movimento.
Lembro
também que o meu pai ficou muito chateado com toda aquela situação vexatória
pela qual estava passando um presidente da República – meu pai era militar
reformado da Aeronáutica; serviu por 30 anos, era responsável por redigir o
histórico dos militares, conservador, correto. Ele votou no Collor. E eu,
desviando-me das orientações familiares, votei no Lula na época. Teve um dia
que ele me questionou sobre os meus estudos; surpreso com as minhas tendências
políticas. Boa parte do meu interesse pelas décadas de 30, 40 e 50 foi motivado
pelo amor ao meu pai; queria conhecer melhor a época em que ele se desenvolveu
e viveu a juventude. Ele nasceu em 1925, de tradicional família do sertão
pernambucano. Para ele era decepcionante toda aquela situação política. Meu pai
viu o resultado da minha monografia, mas, para minha tristeza, partiu para a
espiritualidade antes mesmo de eu começar a escrever a dissertação.
Naquela
época, décadas de 80 e 90, o PT era pedra, hoje ele é vidraça. E foi o PT, não
só ele, que motivou o povo a se manifestar, a buscar seus direitos, a lutar por
melhores condições de vida e trabalho, a reivindicar, a reclamar coletivamente.
Ainda sob o regime militar, o PT relembrou algo que sempre aconteceu: o “Ganhar
as ruas”, os protestos de massa. A manifestação de rua não é exclusividade do
período republicano mais recente, é um fenômeno antigo, reincidente na História
sob várias motivações.
Lembro
que a Profª Edla Soares, numa reunião na Secretaria de Educação por ocasião da
Prefeitura sob o governo de João Paulo, afirmou - não necessariamente nessas
palavras - sobre, se não me engana a memória, manifestações de professores: “A
gente não ensinou a reivindicar, a cobrar, a manifestar opinião?! Então, agora
aguentemos!” Enfim, o caminho é buscar o diálogo, a negociação, o entendimento.
Lembro que João Paulo (antes de ser prefeito) e Paulo Rubem, por diversas
vezes, participaram de nossas assembleias do SIMPERE.
Essa
história, sobre o impeachment de Fernando Collor, para nós historiadores
especialmente, ainda é muito recente, muito presente, e hoje mais do que nunca.
Existem algumas publicações a respeito, creio até que já existem grupos na
academia direcionados a estudar de um ponto de vista histórico o período, e mesmo
alguns trabalhos monográficos. Estudar, elaborar conhecimento histórico
acadêmico, científico, sobre o tempo presente, além da subjetividade estar mais
sensível, o envolvimento político e até pessoal é maior, corre-se o risco de
não ter acesso a determinadas fontes de informações, ou mesmo ser impedido
judicialmente por envolver pessoas ainda vivas; a perspectiva de análise fica
comprometida pelo alcance do olhar; nem tudo está escrito, ou registrado de
maneira acessível. Se bem que, nas recentes décadas, a multiplicidade de
informações em diversos suportes é imensa, mas também mais arriscada, porque
nem tudo é confiável, no máximo discutível como representação. Trabalhar com o
tempo presente, geralmente, é objeto de análise de sociólogos, antropólogos,
cientistas políticos e filósofos, porque os parâmetros de análise são
diferenciados do historiador, mas todos lançam mão dos conhecimentos produzidos
em História, assim como nós também nos servimos das reflexões das áreas citadas
para produzir a historiografia.
A
História, geralmente, se resguarda no tempo distante, em falar do que já
passou, já morreu, daquilo que dificilmente vai provocar reação reprovativa,
embora possa mexer em vespeiros adormecidos. De uns dez anos mais ou menos para
cá tenho observado os jovens estudantes de História buscando elaborar
conhecimento sobre o período da ditadura militar; a minha geração foi bem
diversificada nos interesses, na verdade, que eu lembre, apenas eu, José Maria
Neto, Zuleica Dantas e Susan Lewis, da historiografia local, nos debruçamos
sobre a Era Vargas, o Estado Novo. Vejo, que daqui uns trinta anos mais ou
menos, o questionamento será sobre a Era PT.
Não
sei como serão as próximas eleições presidenciais; a possibilidade de Lula
concorrer novamente me parece nebulosa - é minha intuição que diz, não a minha
razão histórica. - Rsrsrs! - Aparentemente, se as eleições fossem por esses
dias Lula ainda ganharia; mas, o desgaste tem sido grande, o resultado ainda
pode se dizer imprevisível. O certo é que nossa democracia se vê ameaçada por
antidemocratas elitistas, preconceituosos, revoltados diante de tantos direitos
sociais, trabalhistas e humanos conquistados pelas ditas minorias. Isso, porque
Lula e o PT não fizeram a Revolução Socialista que tantos temiam que fizessem,
imaginem se Lula tivesse realmente radicalizado?!...
E,
para concluir, quando petistas e companheiros de esquerda alertam aos seus
opositores, ou mesmo aos manifestantes que se dizem apartidários, que cuidem de
estudar História, vão além do saber detalhes de processos passados, mas de
perceber que a justiça social e o regime democrático obtiveram avanços
significativos nos últimos treze anos. Devemos avaliar um governo pelo grau de benefício
social que ele proporciona a grande maioria da população, como também àquelas
minorias sob risco social. Ainda não solucionamos todos os históricos problemas
do nosso país, e creio que nunca encontraremos solução plena, mesmo porque a
resistência dos poderosos donos dos meios de produção, do capital e da mídia é
imensa. E, se Lula e o PT chegaram ao executivo foi porque também a rede de poderosos
consideraram que eles poderiam resolver a questão social que se agravava, e
promover ações que até então eram paliativos assistencialistas. Agora, chegaram
a um limite de tolerância com a esquerda e querem o poder de volta, e, para
isso, estão perigosamente se associando ao fascismo renascido, aos
fundamentalismos religiosos impertinentes e de interesses pouco cristãos.
Quanto
à corrupção, a moralidade e a ética são os pontos de pauta mais importantes
nesse nosso momento histórico. É mais do que urgente promovermos esse debate
educativo sobre ética e moralidade; não apenas com relação ao governo, mas algo
a ser assumido por toda a sociedade. O PT errou, mas não errou sozinho, e
muitos dos que se filiaram ao PT, após a vitória nas eleições, foram oportunistas
e não compreendiam e nem aceitavam como funcionava o partido. O PT ajudou
alavancar muitas candidaturas, muitos governos e economias, especialmente no
Nordeste, e, como filhos ingratos, eles agora o abandonam, o criticam e pedem o
seu impedimento. O PT nunca prometeu o céu, e sim uma terra do Brasil mais
justa e solidária com os mais pobres e marginalizados; infelizmente, os
caminhos foram e estão sendo tortuosos e estreitos, becos sem saída surgem a
todo momento, assim, ou se retorna e se faz outro caminho, ou se abre a
marretadas. O PT está colhendo o que plantou de bom e de ruim. Mesmo assim, ainda
é o meu malvado favorito.
Por
toda uma história de luta pelas classes trabalhadoras, pelas mulheres, pelas
crianças, pelos índios, pelos negros, pelos homossexuais e transexuais, pelos
sem terra, pelos sem teto, por todos aqueles que conseguiram apoio nas suas
lutas individuais e coletivas, EU voto NÃO ao impeachment de Dilma!
-Profª
Drª Zélia de Oliveira Gominho.