terça-feira, 8 de março de 2011

Em Homenagem ao Dia Internacional da Mulher, 08 de mar 2011: Marcas de Batom na História de Pernambuco.

Conheci mulheres extraordinárias ao escrever minha tese de doutorado. Não imaginava o quanto a mulher tinha ousado, nas décadas de 40 e 50, para experimentar a modernidade no trajar, nos lazeres, na convivência social, nos esportes, nos estudos e, especialmente, na luta política e nos ideais em prol da humanidade. A ousadia exigia coragem em se diferenciar, em fugir ao padrão de mulher-dona-de-casa-mãe-de-família recatada, submissa e avessa aos assuntos masculinos, imagem tão valorizada à época. Segundo observação de Gilberto Freyre, a mulher até poderia participar da luta pela democracia a “seu modo”, mas que não desviasse a sua atenção dos filhos, dos guisados e dos doces.

A experiência democrática ainda se debatia com os resquícios e persistências ditatoriais e conservadoras. E não só nos referimos ao ambiente da política institucional e partidária, mas dirigimos nosso olhar para a convivência social cotidiana no trabalho e nos lares.

A presença norte-americana no Recife no período da II Guerra influenciou os costumes locais, a ponto de ocorrerem sérios atritos entre soldados e nativos. Acompanhando as tropas aliadas aquarteladas na costa nordestina, houve a implantação de clubes sociais – os USO Town Clubs, ou seja, United Service Organizations, que formavam o Teatro do Atlântico Sul – para oferecerem serviço de acolhimento, entretenimento, apoio e até formação a essas tropas, numa tentativa de reproduzir o ambiente sociocultural de seu país, e, até mesmo, da sua região de origem. Os clubes convocavam mulheres para administrar, ministrar cursos e oferecer todo o apoio necessário para a realização das atividades do clube (recepção, festas, jogos), havia a presença masculina também, mas a feminina era predominante, não só proveniente dos Estados Unidos, como da comunidade local. As voluntárias locais eram chamadas de “sênior hostesses” e “Junior hostesses”.

O problema é que a freqüência a esses clubes era exclusivamente feminina, e tinha como acesso o cartão de sócia, ou o convite oferecido por algum militar ou por jornalista do Diário de Pernambuco, que divulgava os eventos dos clubes. A sociedade tradicional local viu com maus olhos esse intercambio, e as moças foram apelidadas de garota coca-cola, ainda mais pela mocidade sentir a preferência de muitas, até mesmo das prostitutas, pelos gringos aliados.

Mas, muitas dessas moças e senhoras casadas que colaboravam para animação dos clubes participavam oferecendo cursos sobre a cultura local, cantando e dançando em eventos, participando de jogos, como também encenando peças em conjunto com as voluntárias norte-americanas e até mesmo os soldados.

A presença de mulheres ativas na administração dos clubes, assim como, o exemplo daquelas que serviam como WACs, tropa auxiliar de mulheres norte-americanas que trabalhavam especialmente, mas não só, no setor das telecomunicações da guerra, deve ter inquietado as mulheres nordestinas, e incomodado o patriarcalismo ainda insistente na região.

Por outro lado, logo após a guerra encontramos também o movimento feminino de mulheres donas de casa e operárias na luta por condições dignas de trabalho, de vida e de salário, se associando aos embates dos homens pela consolidação da democracia no país e contra o anticomunismo orquestrado pela Guerra Fria. Mulheres como Adalgisa Cavalcanti, primeira deputada estadual de Pernambuco eleita pelo PCB– Constituinte de 1946 -; Júlia Santiago da Conceição, líder têxtil, primeira vereadora eleita do Recife, pelo Partido Social Progressista (PSP)– eleições de outubro de 1947 -; e Cândida Maranhão Otero, esposa do deputado Leivas Otero, que, ainda jovem estudante de Medicina, iniciou sua atividade como militante do PCB participando de muitos comícios como oradora. Ao lado delas várias anônimas criavam pelo estado associações e ligas só de mulheres, dona de casa, de moradores, em prol da democracia, pela paz, em defesa da Constituição.

Nossa história tem marcas de batom e esmalte. É preciso buscar essas marcas femininas , torná-las conhecidas, estudá-las pela experiência de vida e de democracia, que representam.

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