Há um certo consenso de que o carnaval é uma festa popular e democrática, que possibilita o contato, ou, ao menos a presença no mesmo espaço, entre ricos e pobres. Nosso carnaval é marcado pela espontaneidade, irreverência e criatividade - esta é ainda mais elaborada quando há crises ou escandalos políticos. Mas, e em tempo de guerra?
No tempo da II Guerra Mundial surgiu uma discussão no Brasil sobre se o carnaval deveria acontecer ou não. O Brasil vivia a ditadura Vargas e, em Pernambuco/ Recife, por exemplo, além do controle social exercido pelo DIP/ DOPS existia a Federação Carnavalesca, que organizava o evento valorizando o ideário e os feitos do regime. Com a entrada do Brasil na guerra, e o estabelecimento das forças aliadas no Nordeste o controle dos festejos se acentuou interferindo em tradições, como: o desfile do corso, o uso de máscaras e os estouros dos canos de escape dos automóveis. O desfile do corso foi proibido pelo racionamento de combustível exigido pela guerra, o uso de máscaras por questão de segurança e os estouros pelo barulho inadequado para um tempo de guerra (no Recife, periodicamente, alimentava-se um clima de guerra com a realização de blackautes e exercícios de defesa anti-aérea) e, mesmo, pelo incomodo causado nas proximidades de hospitais, sanatórios, e mesmo a doentes e idosos em suas residências (algo que foi reforçado quando a Câmara do Recife foi reativada em 1947 e discutiu o assunto). Mas, nesse período, o problema maior que foi discutido através da imprensa foi a questão de consciência do brasileiro em festejar, fazer carnaval, enquanto os pracinhas da FEB matavam e morriam na Europa pela democracia mundial. Houve quem defendesse um "carnaval de guerra", algo como um carnaval patriótico, um carnaval político antifascista, no entanto, a idéia não agradou nem quem era a favor, nem contra. Os a favor do carnaval diziam que já estavam saturados de guerra. Enquanto, grandes e pequenos publicistas e leitores que escreviam pro jornal discutiam a conveniência ou não dos festejos; o povo se organizava. O comércio lucrava com todo tipo fantasia e adereço, as comunidades enfeitavam suas ruas e prometiam até prêmios para as agremiações que por lá desfilassem; os clubes, dentro das limitações impostas pela crise, enfeitavam seus salões e alguns ofereceram a renda de seus bailes para alguma instituição ou campanha, como forma de aliviar um pouco a consciência diante do clima de contradição vivido. Os norte-americanos também ofereceram o carnival of fun em seus clubes, o USOtown; e questionados sobre o que achavam do carnaval pernambucano diziam que era bem diverso dos EUA, destacando a espontaneidade e o "espírito de democracia entre ricos e pobres". Em 1945 a democracia, a redemocratização era a palavra da vez, e jornais como o Diário de Pernambuco faziam questão de expressá-las, mesmo ainda sob censura, ao darem destaque para o tema do carnaval do Vassourinhas: a Revolução Francesa. E assim como em 1944, em 45 se cantou...
"Haja carnaval ou não / Eu vou cantar! / Sem um tamborim na mão / Não hei de ficar! / Deixemos de ares tristonhos / devemos buscar distração / No riso, na dança e na graça / Da turma que passa\ Haja Carnaval ou não (eu vou cantar)"
(Marcha com letra e música de Pedro Caetano e Claudionor Cruz, gravado por Francisco Alves pela Odeon. A partitura é de Irmãos Vitale Editores, São Paulo/ Rio de Janeiro, 1944. Acervo do MIS-SP).
Um comentário:
Oi Zélia. Admiro você, pela força em tempo de TESE conseguir ainda escrever coisas legais sobre assuntos tão diversificados.Adorei esse texto sobre o carnaval.Realmente é uma festa muitíssimo popular onde todos, pelo menos naquele momento, se mostram mais humanizados, mais envolvidos na magia dessa mistura cultural.Beijos, Vera Braga.
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