Este texto é uma comentário a ser postado no blog História em Projetos, sobre um artigo de Maria Frô a respeito da polêmica criada pelo jornal Folha de São Paulo quando representa a ditadura militar no Brasil como, em comparação a outros países da América Latina, como uma "ditabranda".
Acabei de ler o artigo de Marcos Villa http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0503200908.htm; e compreendo o que ele quis expressar no seu artigo. Considero, inspirada pela leitura de Ítalo Calvino, que todas as épocas são marcadas por medos e desejos; e com Eugen Weber complemento afirmando que as transições podem ser reconhecidas como promessa ou como ameaça dependendo das perspectivas envolvidas. A ditadura militar, a ditadura Vargas, qualquer ditadura não abarca a sociedade como um todo e é possível que muita coisa boa aconteça, o problema é quem é beneficiado com essas boas obras: é justa a distribuição? O acesso é democrático? Os meios são lícitos. Uma ditadura não é necessariamente sombria e violenta pra todo mundo, pra muita gente ela foi indiferente; e só agora é vista por todos como ruim por serem desvelados os crimes e arbitrariedades cometidas. Ainda bem que existe a resistência, a oposição e a possibilidade de mudar. Apesar de Marcos Villa ter afirmado que nos outros países latino-americanos a realidade foi mais dura, foi porque havia resistência, havia luta, assim como aqui; o caso é estudar porque lá pode ser considerado pior do que aqui. Estudos de comparação me incomodam porque, geralmente, deixam de levar em conta as especificidades dos casos; não há como pesar na balança crimes contra a liberdade e a vida, são crimes. Doem no corpo e na alma de todos que prezam pela vida. Ninguém é inocente nessa história; há uma disputa; e o fato é que cada um enxerga o que quer e o que pode.
Ando estudando sobre a experiência democrática no Brasil entre 1945 e 55, e percebo que considerar, ou pelo menos tolerar, a opinião divergente é uma das atitudes mais difíceis numa relação democrática. Clamamos tanto por liberdade e democracia e, geralmente, esquecemos que isso não significa consenso e homogeneidade de opiniões. Revisionismo ao meu ver não tem - quando bem alicerçado em teoria e metodologia e, principalmente, no caso da história, em fontes diversas – conotação pejorativa; pelo contrário, vejo como oportunidade de revisitar representações (ou verdades, como queira) que foram produzidas num determinado contexto histórico, portanto, motivadas por paixões, razões e erudições próprias de seu tempo, e do tempo de seu autor. Lançar outro olhar, buscar outros ângulos; se não fosse assim, talvez estaríamos até hoje escrevendo, apenas, a história dos grandes líderes e heróis da humanidade, e muito do que conhecemos sobre a luta operária estaria perdida em arquivos e depósitos maltratados. Entretanto, quanto a fatos e processos do tempo passado que, fora de dúvidas, aconteceram é certo que não nos cabe negar, mas estudá-los e buscar compreender porque e como ocorreram, mas esse estudo depende muito do conceito de história que o profissional da memória assume, da sua bagagem erudita e capacidade cognitiva, e, também, de seu posicionamento sóciopolítico na sociedade. Não há neutralidade, bem como o historiador pode cair na armadilha das fontes e, sem perceber, ser seduzido pela verdade editada da época, especialmente quando recorre a apenas, por exemplo, um jornal do período estudado (imagine para quem só lê o Folha de São Paulo e não tem acesso a outras leituras). Não estou querendo justificar o posicionamento de Marcos Villa, do Folha de São Paulo e demais defensores dessa história de ditabranda, mas lembrar que numa democracia (e a queremos muito) esse tipo de posicionamento é possível, apesar de reprovável, e, nesse movimento de reprovação, devemos lançar mão de, não apenas, argumentos justos, mas que demonstrem toda a nossa indignação diante do desrespeito aos mortos e feridos que lutaram pelo direito que todos usufruem, ou deveriam usufruir, e mesmo as vozes em questão, de dizerem até tamanho despropósito; porque liberdade com democracia é uma conquista cotidiana. Quanto ao posicionamento da ANPUH, não posso falar pela entidade, mas acredito que os historiadores têm uma responsabilidade imensa com a memória, a história e os direitos de todos, e, nesse sentido, deveriam ser mais cobrados e reconhecidos pela sociedade, considerando que exercem um trabalho que vai além do que repassar conhecimento nas instituições de ensino, sendo que há um comprometimento político de peso, mesmo involuntário, na formação de gerações.
Um comentário:
Oi Zélia. Há tempos que estava querendo entrar no seu Blog.Bem, concordo com você.Nos historiadores,sabemos como é complexo o fazer histórico e comparar , opinar, envolve muitas questões.Revisar é importante na medida em que podemos dotar a historia de outros significados, trazer a tona outros olhares. A história apesar de não ser juiz, tem um compromisso social enorme. Bem,gostei muito das suas observações! Bjs. Vera Braga.
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