- Como o historiador deve lidar, metodologicamente, com atas, anais e discursos do poder legislativo? Como perceber essas fontes, no caso, por exemplo, da Câmara Municipal do Recife? Após um longo período de recesso forçado pela ditadura, o plenário municipal volta aos trabalhos em dezembro de 1947, e ainda entra em processo de luta por assegurar a autonomia da Casa e do Município ao defender eleições diretas para prefeito, numa reação a projeto contrário de Magalhães Melo, no legislativo federal.
A Câmara, como qualquer assembléia, é um espaço de tensões. Os vereadores estão ali para trabalhar em benefício da cidade, do município como um todo; no entanto, suas comunidades de origem e as que lhe oferecem votos têm prioridade nos seus embates. Mas, os vereadores também se envolvem com as circunstancias políticas que movimentam outros espaços de luta e a sociedade.
Cada vereador possui e tece redes específicas de relacionamento: pessoal, familiar, profissional, político, etc. A maneira como percebe o mundo, como o experimenta, deve muito à resistência dos fios que compõem suas redes. E essa experiência é posta à prova em assembléia: suas atitudes, decisões, discursos, seus projetos; seu engajamento na defesa dos ideais de sua bancada, em prol do município, do estado, do país; e contra o que deseja ver derrotado, alijado, extinto.
A ata é um documento que relata o mais fiel possível o acontecido, discutido e decidido numa reunião; entretanto, no caso de períodos e lugares que ainda não têm as facilidades tecnológicas, como a taquigrafia, a atividade de redação fica comprometida por uma série de limitações e habilidades específicas de cada indivíduo ao registrá-la in loco; assim quatro fases são percorridas: 1º o rascunho; 2º a redação quase final, 3º o texto passa pelos revisores, e 4º, após a leitura e aprovação em assembléia, a redação final com ou sem correções.
Quando pesquisamos num lugar como o que abriga as atas, os anais, os livros de leis e decretos, os requerimentos, material específico de cada vereador e demais documentos da Câmara Municipal do Recife, nos deparamos com questões a mais em nossas pesquisas. Podemos encontrar alguns rascunhos, e há livros de registros manuscritos das atas, ou seja, as que foram feitas in loco, mas encontrar algo sobre, por exemplo, Júlia Santiago da Conceição , única mulher vereadora na 1ª legislatura pós-Estado Novo, é um trabalho que necessita tempo e resistência física a fungos e demais seres da poeira. Muita coisa está incompleta; por estar perdida ou mal localizada. Não há um espaço, nem uma organização que facilite a pesquisa, na verdade não é destinado para isso, mas principalmente a ser o almoxarifado da Câmara.
Mas, voltemos às atas e aos anais, estes últimos encontrei da 2ª legislatura 1951-55; pois houve a intenção de publicar os anais da 1ª legislatura, mas, por motivos ainda não encontrados na pesquisa, não aconteceu. Quando lemos uma ata temos um resumo sucinto do que ocorreu em assembléia, em alguns momentos podemos encontrar a reprodução fiel e entre aspas do que foi verbalizado, mas, geralmente, se explica o que aconteceu; outras vezes o vereador faz retificação do que foi escrito, seja para reforçar a expressão utilizada, corrigi-la, amenizá-la, esclarecê-la ou acrescentar algo; de toda maneira os vereadores, geralmente, se cercam de melindres no que vai ser registrado, demonstrando a consciência do efeito de sentido que está em jogo naquele momento, e alguns, quem sabe, até para a posteridade. Tanto que, em agosto de 1948, a Mesa recomenda que as retificações sejam feitas por escrito para que não haja equívocos de interpretação por parte dos funcionários responsáveis pelas atas. Um desses funcionários é Dona Syra Moraes d’Oliveira, escriturária padrão H, que ao final de cada ata se identifica. Dona Syra, possivelmente, era irmã de Manoel Moraes d’Oliveira, diretor da Secretaria da Câmara. Observando discussões referentes a essa questão das atas percebemos que existiam outros funcionários responsáveis por redigir, no entanto, apenas dona Syra aparece como responsável pelo registro das folhas, mas, a partir do segundo semestre de 1948, não há mais identificação do responsável ao final da ata.
Nos anais há um registro mais minucioso das assembléias; além de narrar o transcorrer da reunião, expõe os decretos e resoluções; contudo, o que mais chama a [minha] atenção são os diálogos entre os parlamentares, e seus discursos. Nas atas, o discurso é mencionado, assim como os apartes, e se não foi um improviso, o texto é anexado à ata; assim como, outros documentos tratados no dia: manifestos; reportagens em jornais, etc. Nos anais os discursos são transcritos seguindo o desenrolar da assembléia e acompanhados dos apartes. A dinâmica da assembléia é reproduzida.
Essas atas e esses anais, então, são documentos que tentam reproduzir a realidade vivida. Como nos comportar diante desses relatos? Neles encontramos: soluções, resoluções, intenções, tomadas de posição, problemas, disputas, perseguições, razões, paixões, histórias...
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